REPORTAGEM
As áreas urbanas vão ter de se adaptar
Publicado em 26/01/2016
Editado em 28/01/2016
Editado em 28/01/2016
A implementação de telhados verdes é uma das medidas de resiliência com maior eficácia no combate às ondas de calor nas zonas urbanas. Esta foi uma das conclusões do projeto CLICURB, que analisou os efeitos das alterações climáticas nas cidades e apontou algumas soluções de adaptação e mitigação.
“Só será possível vencer o desafio das alterações climáticas se o vencermos nas áreas urbanas”, afirma Carlos Borrego, investigador da Universidade de Aveiro e coordenador do CLICURB, projeto desenvolvido nesta mesma Universidade.
A solução é aumentar a resiliência das cidades com medidas concretas e urgentes, que vão desde a expansão das áreas verdes (parques, jardins), à criação de telhados brancos ou verdes, passando pelo aumento das áreas azuis (lagoas, lagos ou riachos).
De acordo com Carlos Borrego, “as zonas urbanas são particularmente vulneráveis às alterações climáticas por várias razões. A razão mais determinante é a pressão demográfica. Em 2050, 80% da população europeia estará a viver em áreas urbanas. Isto significa mais 36 milhões de pessoas. Em Portugal, nesse mesmo ano, teremos mais 1,6 milhões de pessoas a viver nas cidades, essencialmente no Grande Porto e na Grande Lisboa”.
Por outro lado, os efeitos das alterações climáticas, como o aumento da temperatura, o aumento do nível médio do mar ou o risco de cheias, são agravados pelas próprias características das cidades, designadamente pela morfologia urbana, pelos materiais utilizados nos revestimentos e nas edificações e pelas próprias atividades da população.
Ilhas de calor: o "inferno" nas cidades
As ilhas de calor são um dos fenómenos típicos das áreas urbanas e que tendem a agravar-se com as alterações climáticas. Espera-se uma espécie de círculo vicioso em que o aumento da temperatura resultante das alterações climáticas (que poderá ser, em alguns locais, da ordem dos 4ºC em 2050) acentuará o fenómeno das Ilhas de calor, o que irá aumentar o consumo de energia e de água (em período de previsível escassez) e agravar as alterações climáticas.
O conceito de ilhas de calor é diferente do conceito de ondas de calor, que ocorrem quando a temperatura máxima diária é superior em 5ºC ao valor médio diário no período de referência, num intervalo de pelo menos seis dias consecutivos.
“Para se perceber o que é uma ilha de calor, basta pensar que as infraestruturas urbanas são compostas por um conjunto muito alargado de materiais, como asfalto, cimento ou betão e outros revestimentos com grande capacidade de aquecimento. Estas infraestruturas recebem a radiação solar, absorvem-na e libertam-na durante a noite, quando a temperatura diminui”, explica Carlos Borrego.
Ora, “a libertação do calor que foi absorvido durante todo o dia faz com que a temperatura sobre a cidade seja maior do que a temperatura à mesma altura sobre as áreas circundantes à cidade, que são tipicamente suburbanas ou rurais. Estamos a falar de mais de 2ºC de diferença entre zonas próximas, a poucos quilómetros de distância”.
Esta pequena diferença é suficiente para que as ondas de calor transformem as cidades num "inferno", provocando problemas de saúde graves e um número incalculável de mortos. O resultado pode ser insustentável, com graves repercussões ambientais, sociais e económicas.
Como resolver?
Se as ondas e as ilhas de calor já incomodam muita gente, como será em meados do século XXI? Qual será a qualidade do ar que iremos respirar? Será possível atuar?
No âmbito do projeto CLICURB, Carlos Borrego e a sua equipa avaliaram o impacte das alterações climáticas e de algumas medidas de resiliência nas zonas urbanas, usando a cidade do Porto como caso de estudo.
“Medimos os fluxos de emissões (designadamente de CO2 e de vapor de água) em zona urbana e em zona rural, o que nos permitiu caracterizar muito bem as ilhas de calor. Foi absolutamente inovador. Ainda não tinha sido feito, em Portugal, um estudo deste tipo”.
A seguir, os investigadores identificaram e testaram alguns fatores de resiliência em cenários futuros. Os fatores testados são, essencialmente, medidas de adaptação e de mitigação às alterações climáticas.
Carlos Borrego lança, agora, aos autarcas o desafio de integrarem essas medidas nas estratégias de ordenamento do território. “É só uma questão de haver vontade política para mudar as estratégias de desenvolvimento e de planeamento regional e urbano”, afirma.
Toronto e Copenhaga: sigam estes exemplos
No seu entender, as chamadas “soluções baseadas na natureza”, como os parques verdes, são fundamentais para enfrentar os efeitos das alterações climáticas nas cidades, designadamente as ilhas de calor.
O especialista incentiva, igualmente, à criação de telhados verdes e dá o exemplo de Toronto e Copenhaga. Para quem não quiser ou não puder optar já pelos telhados verdes, o especialista aconselha os chamados “telhados brancos”. “Não é por acaso que, no Algarve, as casas têm os telhados pintados de branco. Num telhado branco, a radiação solar incide e é refletida. O aquecimento é muito menor num telhado de betão do que no de tijolo. Esta é uma medida que pode ser implementada já. Não é preciso esperar 10 ou 20 anos”, sublinha.
A criação de áreas azuis é outra medida apontada. “Fizemos, ao longo dos últimos 100 anos, um conjunto de erros no planeamento das cidades, tapando as linhas de água para fazer grandes avenidas. Hoje sabe-se que o encanamento das águas é a pior solução. Basta olhar para Albufeira e ver os resultados que teve. Devemos permitir que as linhas de água sigam o seu curso natural até porque vamos ter mais eventos extremos”, recomenda.
Estas medidas de adaptação e de mitigação terão benefícios a vários níveis, nomeadamente no aumento do conforto térmico, na diminuição do consumo de energia e consequente diminuição da emissão de gases com efeito de estufa e melhoria da qualidade do ar que respiramos.
“Ganhar” as autarquias e população
A equipa do CLICURB está agora a apresentar estas medidas às autarquias, ao mesmo tempo que tenta “ganhar a população”. “Tenho alguma esperança que as autarquias, sabendo que existem estes instrumentos, possam começar a fazer esse trabalho localmente. Há um conjunto alargado de medidas de resiliência que são transversais, mas, para darmos resposta adequada às alterações climáticas, temos de as localizar e, assim, garantir que as especificidades locais são tomadas em conta”, alerta.
O projeto terminou em 31 dezembro de 2015, podendo vir a ser estendido por mais dois anos. Dele resultou ainda um Atlas Urbano do Porto, uma plataforma de informação geográfica que permite, por exemplo, analisar os fluxos atuais de radiação e de que forma o aumento da área verde se refletiria na diminuição da temperatura, para além da projeção de um conjunto de parâmetros a longo prazo. O website será brevemente disponibilizado, podendo constituir-se num instrumento de trabalho e de tomada de decisões por parte dos cidadãos e dos autarcas, designadamente nos domínios da gestão de recursos hídricos, agricultura, turismo, gestão de fornecimento de energia, saúde humana, entre outros.
A solução é aumentar a resiliência das cidades com medidas concretas e urgentes, que vão desde a expansão das áreas verdes (parques, jardins), à criação de telhados brancos ou verdes, passando pelo aumento das áreas azuis (lagoas, lagos ou riachos).
De acordo com Carlos Borrego, “as zonas urbanas são particularmente vulneráveis às alterações climáticas por várias razões. A razão mais determinante é a pressão demográfica. Em 2050, 80% da população europeia estará a viver em áreas urbanas. Isto significa mais 36 milhões de pessoas. Em Portugal, nesse mesmo ano, teremos mais 1,6 milhões de pessoas a viver nas cidades, essencialmente no Grande Porto e na Grande Lisboa”.
Por outro lado, os efeitos das alterações climáticas, como o aumento da temperatura, o aumento do nível médio do mar ou o risco de cheias, são agravados pelas próprias características das cidades, designadamente pela morfologia urbana, pelos materiais utilizados nos revestimentos e nas edificações e pelas próprias atividades da população.
Ilhas de calor: o "inferno" nas cidades
As ilhas de calor são um dos fenómenos típicos das áreas urbanas e que tendem a agravar-se com as alterações climáticas. Espera-se uma espécie de círculo vicioso em que o aumento da temperatura resultante das alterações climáticas (que poderá ser, em alguns locais, da ordem dos 4ºC em 2050) acentuará o fenómeno das Ilhas de calor, o que irá aumentar o consumo de energia e de água (em período de previsível escassez) e agravar as alterações climáticas.
O conceito de ilhas de calor é diferente do conceito de ondas de calor, que ocorrem quando a temperatura máxima diária é superior em 5ºC ao valor médio diário no período de referência, num intervalo de pelo menos seis dias consecutivos.
“Para se perceber o que é uma ilha de calor, basta pensar que as infraestruturas urbanas são compostas por um conjunto muito alargado de materiais, como asfalto, cimento ou betão e outros revestimentos com grande capacidade de aquecimento. Estas infraestruturas recebem a radiação solar, absorvem-na e libertam-na durante a noite, quando a temperatura diminui”, explica Carlos Borrego.
Ora, “a libertação do calor que foi absorvido durante todo o dia faz com que a temperatura sobre a cidade seja maior do que a temperatura à mesma altura sobre as áreas circundantes à cidade, que são tipicamente suburbanas ou rurais. Estamos a falar de mais de 2ºC de diferença entre zonas próximas, a poucos quilómetros de distância”.
Esta pequena diferença é suficiente para que as ondas de calor transformem as cidades num "inferno", provocando problemas de saúde graves e um número incalculável de mortos. O resultado pode ser insustentável, com graves repercussões ambientais, sociais e económicas.
Como resolver?
Se as ondas e as ilhas de calor já incomodam muita gente, como será em meados do século XXI? Qual será a qualidade do ar que iremos respirar? Será possível atuar?
No âmbito do projeto CLICURB, Carlos Borrego e a sua equipa avaliaram o impacte das alterações climáticas e de algumas medidas de resiliência nas zonas urbanas, usando a cidade do Porto como caso de estudo.
“Medimos os fluxos de emissões (designadamente de CO2 e de vapor de água) em zona urbana e em zona rural, o que nos permitiu caracterizar muito bem as ilhas de calor. Foi absolutamente inovador. Ainda não tinha sido feito, em Portugal, um estudo deste tipo”.
A seguir, os investigadores identificaram e testaram alguns fatores de resiliência em cenários futuros. Os fatores testados são, essencialmente, medidas de adaptação e de mitigação às alterações climáticas.
Carlos Borrego lança, agora, aos autarcas o desafio de integrarem essas medidas nas estratégias de ordenamento do território. “É só uma questão de haver vontade política para mudar as estratégias de desenvolvimento e de planeamento regional e urbano”, afirma.
Toronto e Copenhaga: sigam estes exemplos
No seu entender, as chamadas “soluções baseadas na natureza”, como os parques verdes, são fundamentais para enfrentar os efeitos das alterações climáticas nas cidades, designadamente as ilhas de calor.
O especialista incentiva, igualmente, à criação de telhados verdes e dá o exemplo de Toronto e Copenhaga. Para quem não quiser ou não puder optar já pelos telhados verdes, o especialista aconselha os chamados “telhados brancos”. “Não é por acaso que, no Algarve, as casas têm os telhados pintados de branco. Num telhado branco, a radiação solar incide e é refletida. O aquecimento é muito menor num telhado de betão do que no de tijolo. Esta é uma medida que pode ser implementada já. Não é preciso esperar 10 ou 20 anos”, sublinha.
A criação de áreas azuis é outra medida apontada. “Fizemos, ao longo dos últimos 100 anos, um conjunto de erros no planeamento das cidades, tapando as linhas de água para fazer grandes avenidas. Hoje sabe-se que o encanamento das águas é a pior solução. Basta olhar para Albufeira e ver os resultados que teve. Devemos permitir que as linhas de água sigam o seu curso natural até porque vamos ter mais eventos extremos”, recomenda.
Estas medidas de adaptação e de mitigação terão benefícios a vários níveis, nomeadamente no aumento do conforto térmico, na diminuição do consumo de energia e consequente diminuição da emissão de gases com efeito de estufa e melhoria da qualidade do ar que respiramos.
“Ganhar” as autarquias e população
A equipa do CLICURB está agora a apresentar estas medidas às autarquias, ao mesmo tempo que tenta “ganhar a população”. “Tenho alguma esperança que as autarquias, sabendo que existem estes instrumentos, possam começar a fazer esse trabalho localmente. Há um conjunto alargado de medidas de resiliência que são transversais, mas, para darmos resposta adequada às alterações climáticas, temos de as localizar e, assim, garantir que as especificidades locais são tomadas em conta”, alerta.
O projeto terminou em 31 dezembro de 2015, podendo vir a ser estendido por mais dois anos. Dele resultou ainda um Atlas Urbano do Porto, uma plataforma de informação geográfica que permite, por exemplo, analisar os fluxos atuais de radiação e de que forma o aumento da área verde se refletiria na diminuição da temperatura, para além da projeção de um conjunto de parâmetros a longo prazo. O website será brevemente disponibilizado, podendo constituir-se num instrumento de trabalho e de tomada de decisões por parte dos cidadãos e dos autarcas, designadamente nos domínios da gestão de recursos hídricos, agricultura, turismo, gestão de fornecimento de energia, saúde humana, entre outros.
Texto de: Cláudia Azevedo