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Entrevista


Júlia Seixas: “Com a COP21, passamos a

​ uma fase nova do Planeta”
Imagem
Foto: Arnaud Bouissou
Publicado em 07/12/2015
A 21ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP21), que decorre em Paris até 11 de dezembro, poderá dar origem a um novo acordo climático global. Em conversa com o Clima@EduMedia, Júlia Seixas, professora na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e investigadora do Center for Environmental and Sustentability Research (CENSE) em energia e clima, fala das suas expectativas e diz que está otimista, mas com consciente das dificuldades. 
ImagemA China emite o dobro de CO2 em relação aos Estados Unidos e cerca de duas vezes e meia mais do que a União Europeia. Foto: Flickr/96434059@N00
O que está à espera da COP21? Pensa que será possível um novo acordo climático global?

Eu sou uma pessoa muito otimista. É essencial que saia da COP21 um acordo multilateral, que envolva países desenvolvidos, países em desenvolvimento e economias emergentes, para reduzirmos conjuntamente a emissão de gases com efeito de estufa.
Acho que estão criadas todas as condições para um acordo. Vamos ver que tipo de acordo é que sai porque este processo foi bastante diferente dos anteriores, nomeadamente do Protocolo de Quioto.
Os vários países apresentaram compromissos voluntários, isto é, aquilo que cada um está disponível para reduzir em termos de gases com efeito de estufa, mas não há muito boas notícias. As contas já foram feitas e, quando se junta todos esses compromissos voluntários, e partindo do princípio que serão cumpridos, não vamos ter uma redução suficiente para garantirmos um aumento médio de 2ºC no Planeta em 2100 relativamente à era pré-industrial. Vamos andar por volta dos 3 a 4ºC.
Isso significa que os compromissos que os países fizeram são relativamente modestos para este objetivo. Os países acham, porém, que são compromissos bastante ambiciosos… 
​
Qual é o grande obstáculo a compromissos mais ambiciosos?

Em primeiro lugar, a vontade política. Neste momento, existem solução tecnológicas para reduzir os gases com efeito de estufa em todas as áreas da economia (na habitação, nos transportes, na indústria).  


A economia é muito “energívora
”
​

Os países têm consciência do que está em causa? A China, por exemplo, que é o maior poluidor a nível mundial, com nove a dez mil milhões de toneladas de CO2, em 2013
?

A China, neste momento, tem plena consciência daquilo que foi uma política de desenvolvimento industrial com pouco cuidado ambiental porque os seus habitantes sentem na pele. Nestes últimos dias, tem estado alerta laranja na China, é recomendado que as crianças não saiam de casa e a visibilidade é baixíssima. Do ponto de vista de saúde pública, isto é muito grave.
A verdade é que os sistemas energéticos e as economias como nós as conhecemos hoje são muito “energívoras”, isto é, consomem muita energia. Do ponto de vista dos políticos, parece haver alguma precaução...

​
Precaução para não atingir interesses instalados?
​

Os interesses vão-se modificando e vão evoluindo. Uma das principais consequências desta COP21 é alterar os interesses instalados. Já foram anunciadas iniciativas por parte de grandes empresas, como a Amazon e a Google, no sentido de duplicarem a investigação e desenvolvimento nas renováveis.
Definitivamente, com a COP21, passamos a uma fase nova do Planeta, com uma consciência muito clara de que os fósseis não podem receber mais dinheiro para novos desenvolvimento e que esse dinheiro deve ser canalizado para as renováveis.
Em cima da mesa está um fundo de 100 mil milhões de dólares para ajuda e assistência a projetos em países em desenvolvimento e não há assim tanto dinheiro disponível. Para haver um acordo, é preciso que todas as partes estejam envolvidas. 

​Para Portugal, a COP 21 fará muita diferença em termos de metas a atingir?
​

Há um objetivo a nível europeu. Esta COP poderá definir melhor os objetivos. Portugal faz parte da União Europeia e este bloco, desde há vários anos, tem um quadro muito claro de mitigação, o Quadro 2030 Energia Clima. A UE é um exemplo. Isto embora a Alemanha continue a queimar imenso carvão… Portugal continua a queimar carvão nas centrais térmicas porque, de facto, ele está muito mais barato. 

ImagemFoto: Flickr/marioizquierdo

“Temos um stock de eficiência energética enorme”


Foi coordenadora de estudos que serviram de base ao Programa Nacional de Alterações Climáticas, ao Roteiro Nacional de Baixo Carbono e à Reforma da Fiscalidade Verde, bem como a outras medidas de política pública. Como é que Portugal poderá reduzir os gases com efeito de estufa?

Há dois fatores muito importantes. Um é o stock de eficiência energética. Portugal tem um stock de eficiência energética enorme em vários setores, mas sobretudo nos edifícios. Isto significa que nós temos um conjunto de edifícios, no setor residencial e também dos serviços e comércio, que podem ser melhorados em termos do seu isolamento, por exemplo, proporcionando uma melhoria no conforto térmico sem consumir energia ou sem consumir tanta energia.
A eficiência energética implica atingir os objetivos de serviços de energia com menos consumo de energia e com menos emissão de gases com efeito de estufa proveniente de combustíveis fósseis.
Mas ainda há um caminho longo a percorrer. Temos metas de eficiência energética de 25% até 2020 e de 30% até 2030. Isto consegue-se com políticas muito bem definidas, por exemplo no domínio da reabilitação. O setor da construção civil, que pode alavancar a saída da crise, está muito sensível. As cidades precisam de atenção!


E haverá dinheiro para investir nessa área?
​

Atualmente, o financiamento da eficiência energética é um dos mais inovadores. Há alguns instrumentos de financiamento. Nós temos à disposição fundos estruturais durante mais alguns anos. O essencial é que as regras da reabilitação não descurem elevados padrões de eficiência energética no envelope do edifício.

É preciso legislar?
​

Penso que é preciso ajustar alguma coisa. Para os edifícios novos, os requisitos de eficiência energética e da qualidade do ar interior são bastante elevados, mas para a reabilitação, por exemplo, esses requisitos deveriam ser mais exigentes. 

ImagemFoto: Flickr/boegh
CELE colocou custo do CO2 na agenda da gestão

Em relação à indústria, o que é possível fazer?

Na indústria, é preciso separar duas realidades: a indústria pesada (vidro, cerâmica, pasta de papel, etc.) já faz parte do Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE) e a indústria que não faz parte.
Embora este mecanismo não tenha funcionado de forma tão brilhante como se estava à espera porque o valor das licenças de emissão tem estado bastante baixo – em todo o caso subiu, nos últimos meses, e já está acima dos 8 euros por tonelada [de CO2] -, o CELE permite que as empresas desenvolvam soluções para reduzir o consumo de energia.

Como funciona exatamente este mecanismo?

O princípio é bom. O princípio é atribuir um preço à emissão de CO2. Imagine-se uma indústria que consome muita energia de origem fóssil e emite muitos gases com efeito de estufa. Quando fazemos as contas ao custo da produção, temos de incluir o investimento nos fornos, o custo de manutenção, etc. Este mecanismo vem introduzir mais um custo, um custo associado a cada tonelada de CO2 que é emitido.
Ao incorporar este custo dentro do bolo global de custos da empresa, passa a fazer sentido pensar em opções energéticas que não tenham o custo associado à emissão de cada tonelada de CO2, o custo do carbono.

E tem resultado?

O que tem acontecido é que as indústrias começaram a colocar na agenda da gestão da unidade industrial o custo do CO2. Houve casos em que bastou mudar a forma como geriam o processo de produção para baixar imediatamente a emissão de CO2. Muitas empresas deixaram de usar fornos para passarem a outras tecnologias, com sistemas de cogeração, a gás natural ou biomassa, obtendo uma redução de custos pela subtração dessa parcela que nós introduzimos. As próprias refinarias evoluíram no sentido da melhoria da eficiência do processo e também baixaram um pouco as emissões. 

Como são feitas as contas?

Quando fazemos contas, temos de ter noção de quanto custa reduzir cada tonelada de CO2 e comparar com o valor de mercado dessa tonelada. Se o valor para reduzir uma tonelada for inferior ao que existe no mercado, então faz sentido investir dentro na minha indústria. Como é preciso cumprir um teto ao longo do tempo, posso reduzir abaixo deste teto e fico com uma folga que posso ir vender ao mercado (este mecanismo é conhecido como “Cap and Trade”). Se o investimento for superior ao valor de mercado, compensa ir comprar licenças ao mercado para cumprir o meu teto. 

“kWh é 60% renovável”

Este princípio não pode ser desvirtuado?

O princípio pode ser desvirtuado se o preço não for muito ajustado. Por exemplo, nos Estados Unidos da América há, a nível regional, mecanismos de comércio de emissões, mas os economistas americanos preferem uma taxa global sobre o CO2 em que tudo o que emite CO2 é taxado.
Em Portugal, nós também temos uma taxa de CO2, por via da reforma da fiscalidade verde, do ano passado, para a qual tive o prazer de contribuir. Foi muito mais visível a questão dos sacos de plásticos, talvez porque a taxa de CO2, paga quando se abastece, se repercuta de forma muito suave e os combustíveis até baixaram. Muitos portugueses nem sabem que estão a pagar, mas estão!
Entendo que o Comércio de Emissões e a taxa de CO2, em setores que estão fora do comércio de emissões, devem funcionar de forma complementar. Para estar dentro deste Comércio de Emissões, é preciso cumprir regras muito apertadas e ter volume crítico. Quem adere são os grandes emissores.
De uma maneira geral, o facto de estas empresas serem obrigadas a contabilizar as suas emissões e estarem no mercado leva-as a pensar em novas soluções mais eficientes, sistemas de cogeração de produção de eletricidade e calor, mudar combustíveis de origem biogénica, passar à eletricidade.
Em Portugal, o kWh (quilowatt/hora) é crescentemente mais limpo. Temos um sistema elétrico com uma elevada participação de eólicas e de hídricas. Se o ano hídrico for médio ou húmido, a componente das barragens tem uma grande participação. Em termos médios, o kWh é 60% renovável. 

ImagemFoto: Flickr/mixtribe
Transportes são o grande problema

Qual é o principal obstáculo à mitigação em Portugal?

O principal problema de mitigação, em Portugal, tem a ver com o setor dos transportes. Há um obstáculo muito grande à introdução do veículo elétrico, que é o preço.
A produção de eletricidade com painéis solares fotovoltaicos era muito cara. Em cinco anos, uma tecnologia que estava ao alcance de poucos passou a estar ao alcance de toda a gente. O preço caiu estrondosamente, entre 60 a 80%.
Há uma mudança de paradigma. Antigamente, produzir eletricidade com centrais térmicas ou parques eólicos envolvia investimentos pesadíssimos. Hoje em dia, está a explodir o investimento privado das famílias nessa tecnologia. O investimento é muito atomizado, o que é interessante.
​
Deverá acontecer o mesmo com o carro elétrico?

Exatamente. Penso que é uma questão de tempo. Atualmente, o veículo elétrico é um artigo de luxo. É, de facto, muito caro. Mas está para breve o “shift”, como aconteceu com a energia fotovoltaica. O preço vai começar a cair nos próximos cinco a dez anos. Todas ou quase todas as marcas do mundo têm linhas de produção de veículos elétricos. O mercado sabe o que vai acontecer. Ainda há muitos veículos convencionais que é preciso despachar. Aconteceu o mesmo com os "leds". As empresas não colocavam "leds" mais baratos no mercado porque era preciso escoar primeiro lâmpadas incandescentes compactas. Está a acontecer o mesmo com os carros elétricos. Em Portugal, como a nossa eletricidade é tendencialmente limpa, faz todo o sentido nós adotarmos o veículo elétrico.


Texto de: Cláudia Azevedo
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