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entrevista


Margarida Gomes: “A educação ambiental

por si só não chega”
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Foto: Francisco Ponce/Flickr
Publicado em 28/01/2016

É preciso que os projetos ligados ao ambiente "trabalhem mais em conjunto e não em competição" e que existam ações concretas da parte de quem governa. A propósito dos 20 anos do programa Eco-Escolas, é o que afirma a coordenadora em Portugal desta iniciativa representada pela Associação Bandeira Azul da Europa (ABAE), ao Clima@EduMedia. O Eco-Escolas quer sobretudo chegar a adolescentes que serão futuros decisores políticos e também a estudantes universitários. Nesta entrevista falamos do passado, do presente e do futuro, abordando a carreira da antiga professora que decidiu com os alunos “pôr as mãos na massa” pelo ambiente. 

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ImagemFoto: Margarida Gomes
Já foi professora e está há mais de uma década à frente do programa Eco-Escolas. O que a levou a enveredar por este percurso e por esta área da educação ambiental? 

Há razões pessoais e profissionais. Em termos profissionais tem a ver com a minha formação. Enquanto geógrafa sempre tive uma preocupação e motivação para trabalhar o impacte do Homem no ambiente que o rodeia. Em termos pessoais houve uma conjunção de fatores na década de 90, mais particularmente no período da Eco 92, que foi uma conferência marcante da Agenda 21, altura em que mais diretamente comecei a trabalhar nestas áreas. Nessa altura também fui mãe e a nível pessoal há aqui uma motivação acrescida, pois a maternidade faz-nos refletir sobre o futuro e a herança para as novas gerações. Nessa época comecei a realizar muitos projetos nacionais e internacionais de educação ambiental com os meus alunos. Esse conjunto de fatores fez com que começasse a trabalhar na área. Como estava envolvida em vários projetos, a ABAE entrou em contacto comigo para coordenar os programas escolares que a associação estava – e continua – a implementar: o programa Eco-Escolas. 

No fundo os seus projetos com os alunos foram a entrada para este programa de educação ambiental...
 

Sim, na altura, havia financiamento para a educação ambiental, o que era um estímulo bastante grande. Havia da parte da Administração Central, através do Programa para o Ambiente que tinha fundos europeus, a disponibilização de verbas para trabalharmos os projetos e acabou por ser uma motivação para a sua implementação no terreno. Trabalhei bastante esta vertente na escola. 
 

Sente grandes mudanças em termos de educação ambiental no país e que estes apoios tiveram um papel decisivo?

Nessa altura, havia apoios. Depois deixou de haver. Não é pelos apoios que se terá desenvolvido ou não a educação ambiental, do meu ponto de vista. Terá sido uma motivação para o arranque. Atualmente não existem apoios, pelo menos dessa forma. Em termos de mudança, hoje todas as escolas, de uma forma ou de outra, não deixam de abordar o tema da educação ambiental, até porque a sustentabilidade está nos currículos escolares. Na diferença de comportamentos, é fundamental haver projetos que possam dar um contributo neste aspeto. A verdade é que não há estudos feitos que nos possam garantir a evolução de comportamentos e as mudanças de atitudes. Empiricamente, apercebemo-nos de que muitas escolas trabalham estes temas e que os alunos estão mais familiarizados com esta área. Relativamente à rede Eco-Escolas, temos dados que nos permitem afirmar que há mais consciência e uma mudança de comportamentos. Isso está relacionado com a oportunidade de trabalhar o tema “hands-on”, no terreno. O facto de tratarem os temas nos currículos não garante a mudança de atitudes. Uma coisa é saber o código da reciclagem, outra coisa é ir ao Ecoponto. 

A mudança de comportamentos e de atitudes, está a aumentar, não só nos jovens, mas nas pessoas que eles conseguem abordar, na comunidade e, por inerência, até nos próximos municípios. 

Este ano assinalam-se 20 anos do programa Eco-Escolas em Portugal. Qual o balanço que faz? 

Já muita coisa foi feita. E há sempre ainda muito para fazer…A rede Eco-Escolas tem vindo globalmente a crescer. Ao longo destes anos fomos tendo sempre mais escolas e municípios envolvidos e a quererem participar. A nível de impactos concretos ainda não temos números. Temos, de facto, vários indicadores que demonstram que as práticas aumentaram nomeadamente no setor dos resíduos. Nota-se que este é um tema que não deixa de ser tratado. As práticas estão incorporadas. Acho que há uma maturidade no tratamento das temáticas do ambiente. Tratar dos resíduos já não satisfaz só as pessoas que estão preocupadas com as temáticas da sustentabilidade. Verifica-se uma preocupação com outros aspetos – a alimentação biológica, a alimentação saudável, as alterações climáticas, a mobilidade sustentável, são temas que vão começando a ser mais trabalhados. No início, a educação ambiental virava-se mais para a conservação da natureza e para a gestão de resíduos e atualmente há um conceito mais amplo de sustentabilidade e há mais temáticas que são tratadas e trabalhadas. É um sistema em que se percebe que todos os temas estão relacionados.

Na primeira década, o Eco-Escolas solicitou a todas as escolas participantes que trabalhassem anualmente o tema “Água, Resíduos e Energia”.  Depois indicámos que deveriam trabalhar mais um tema e isso implica dar nova formação às escolas que estão na rede e integrar projetos que vão ajudar a desenvolver essas áreas. Tem havido, de facto, uma diversificação de enfoques nos temas que são tratados ao longo do ano. As escolas envolvidas no nosso programa terão de continuar a tratar os temas primordiais dos resíduos, porque há alunos novos todos os anos e porque todos continuamos a produzir resíduos todos os dias. No entanto, há uma maior maturidade para uma abordagem mais sistémica e mais complexa das questões ambientais do que apenas separar o lixo.  

“Projetos de diferentes entidades sobre o ambiente nas escolas estão a fazer o mesmo e de costas voltadas uns para os outros”


Referiu que ainda há muito a ser feito. O que falta ser feito na sua opinião? O que é prioritário neste momento?

Uma avaliação que seja séria e abrangente. Temos avaliações parciais de projetos, mas nunca foi feita uma avaliação real de toda a rede que nos permita realmente comprovar o que nós sentimos e para o qual temos evidências. Temos, ainda, muito espaço para crescer. Só temos ainda 1400 escolas e há muitas mais no país. É sempre um objetivo aumentar o número de estabelecimentos de ensino que se integrem na nossa filosofia. O alargamento ao Ensino Superior é um dos objetivos mais recentes. É uma área onde há muito trabalho para fazer, uma vez que é um mundo um pouco diferente. Em Portugal, há já alguns anos, temos vindo a trabalhar com algumas universidades e sentimos que é fundamental alargar. Deverá ser trabalhado um ajustamento dos princípios e da metodologia do programa a este nível de ensino. Queremos também melhorar a qualidade. Sempre procurámos que os projetos fossem progressivamente mais eficazes e com maior qualidade.

Saindo da rede Eco-Escolas e olhando um pouco mais de cima, a nível do país, se calhar deveria haver mais integração e mais consonância entre as várias entidades e projetos que trabalham na área do ambiente nas escolas. Deviam trabalhar mais em conjunto e não em competição. Tentamos combater um pouco essa filosofia, pois seria mais eficaz para os objetivos que todos perseguimos se não chegassem às escolas "50 mil" projetos que os baralham e que, depois, acabam por não ter consequências em comportamentos reais. Há quase como que um assédio às escolas. Tem de haver uma maior seleção da parte do Ministério da Educação que divulga os projetos nestas instituições. Às vezes, estão todos a fazer o mesmo, mas de costas voltadas uns para os outros. Em termos gerais, acho que a educação ambiental por si só não chega. É preciso que as políticas e as práticas de quem decide viabilizem a utilidade da mudança de comportamentos. É fundamental, é importante, mas tem de ser apoiada em mudanças a nível político, económico, entre outros. 

E em relação a esta frase de Edmund Burke: “Ninguém cometeu maior erro do que aquele que não fez nada só porque podia fazer tão pouco”. Descreve a filosofia da educação ambiental? 
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Sim, mesmo fazendo pouco, mais vale pouco do que nada. Se formos pensar nos problemas gigantes, como as alterações climáticas, podemos pensar que “para quê que estou a andar a pé, se na China estão a abrir novas explorações de petróleo?”. Em termos de educação gera alguns dilemas. Temos sempre de partir do princípio que estamos a educar e a criar hábitos para o futuro. Neste caso trata-se dos futuros decisores e, mesmo que os atuais continuem a tomar decisões erradas, vamos acreditar que esta geração que passa por escolas onde existe uma maior consciência e a possibilidade de participar ativamente na prática, na altura de tomar decisões, vai ter um comportamento diferente e dar maior importância a esta área. Neste caso temos de continuar neste lema do mais vale pouco do que nada. Acredito 100% na educação ambiental, mas não acredito que ela possa ter 100% de eficácia. Se quiser comprar uma pasta de dentes sem embalagem, e todas as pastas de dentes tiverem três embalagens, eu tenho de lavar os dentes e por isso tenho de continuar a comprar três embalagens. Não é para ser pessimista, é para ser realista. Não podemos esquecer que precisamos de exigir enquanto cidadãos a quem decide que a sociedade mude nesse sentido. Há quem diga que a educação ambiental é para as crianças. Mais do que as crianças, eu acredito que os jovens e os adultos é que necessitam de mudar porque são esses que já são consumidores e já tomam decisões. 

"Foi muito interessante ver o meu trabalho ser reconhecido"

Voltando ao Eco-Escolas, como é o seu dia-a-dia enquanto coordenadora deste programa? 

O Eco-Escolas é um programa que tem vários projetos integrados e, por isso, de facto, o meu dia-a-dia é muito trabalhoso, pois temos muita coisa em mãos. A minha área de trabalho principal é gerir, coordenar, pôr em prática a articulação com as escolas, com os municípios, com os conteúdos e os objetivos dos projetos, com especial ênfase na formação. A formação na área ambiental, de vários públicos-alvo, é a minha principal função: em primeiro lugar, a formação dos professores que coordenam, em cada escola, o programa; depois, também fazemos formação de alunos diretamente, embora menos, seguindo-se os outros elementos da comunidade educativa, encarregados de educação e funcionários. O meu dia-a-dia é muito em torno quer da gestão do próprio programa e dos indicadores de avaliação, de comunicação – quer com as escolas, quer com os média – quer da gestão da formação. Quando não sou eu a fazê-la, tenho de a planear, organizar, criar conteúdos. Para os professores uma parte da formação é formação creditada, tendo implicações na avaliação desses profissionais. Temos também a avaliação do programa, que é presencial nas escolas. Estas são visitadas periodicamente, existe uma grelha para dizer onde é que cada uma pode melhorar e fazer um reforço positivo e é por isso também que atribuímos bandeiras e galardões. Acreditamos que através das boas práticas conseguimos “contaminar” os outros para seguirem estes exemplos. 

Relativamente a um prémio que recebeu há três anos, o Terre de Femmes, o que significou para si em termos pessoais e profissionais receber este prémio? Quais foram os resultados? 

Foi muito interessante ver o meu trabalho reconhecido. A ideia deste projeto, o "Brigadas Verdes", que ganhou o prémio, é incentivar a essência da Eco-Escola. Esta consiste na existência de um grupo de alunos ativos em cada instituição de ensino e que são responsáveis pela implementação das ações nas escolas e que as concretiza. Têm mesmo um papel de líderes. O impacto principal foi dar a conhecer mais efetivamente este projeto. O prémio transformou-se num prémio monetário para as escolas, as Eco-Escolas, como reconhecimento das brigadas com grupos de alunos mais interventivos e ativos com projetos mais relacionados com a comunidade local e que faziam mais sentido. Atualmente continuam a existir brigadas verdes em todas as escolas. A mensagem passou melhor, porque o reconhecimento e o prémio ajudaram a comunicar esta ideia. 

Há algum projeto, entre os vários em que está envolvida, que lhe dê maior satisfação pessoal? 


Há vários. Gosto de quase todos. Há um que está a decorrer agora e que, para mim, particularmente, é um projeto muito trabalhoso. Não é muito fácil, mas dá-me muita satisfação. Chama-se “Rota” e envolve as pessoas diretamente. É um projeto sobre mobilidade sustentável em que o objetivo é pôr as escolas e os municípios a criarem melhores condições de mobilidade em torno da escola e isso significa ser mais fácil ir a pé ou de bicicleta ou partilhar transporte. Está a decorrer durante um ano e assinala os 20 anos do Eco-Escolas. A ideia é unir as diferentes escolas do país. Consiste na passagem de um testemunho, que é uma bandeira onde os alunos registam sugestões e compromissos para melhoraria da mobilidade na escola. Este testemunho vai passando de escola em escola dentro de cada município. No final de cada rota as escolas, que podem não ser só do Eco-escolas, vão entregar ao presidente da Câmara um pergaminho escrito pelos alunos com as sugestões das escolas do concelho que se comprometeu, por sua vez, em concretizar pelo menos uma delas no prazo de um ano. 

Quais são os seus projetos e ambições para o futuro?

Este ano estamos com um projeto com um tema novo que é a alimentação saudável e sustentável e que surge na sequência das hortas biológicas nas escolas. Muitas escolas têm sugerido estes temas. A parte do saudável e sustentável não é tão abordada. Este projeto está no início e pretendemos avançar com ele. Queremos criar este ano eco-lancheiras, eco-cozinheiros e ementas que possam vir a ser implementadas nas cantinas escolares, mas sempre saudáveis e sustentáveis e para isso temos uma série de parcerias. Outro que também estamos a implementar é a monitorização e a avaliação de impactos nas escolas a nível de tratamento de dados, com uma intenção e um objetivo que é avaliar a qualidade e incentivar o aumento dessa qualidade. Depois há imensas ideias na área da biodiversidade, na área do mar e experiências de projetos passados que também gostaríamos de melhorar. 


Texto de: Renata Silva
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